Notícias climáticas: fevereiro/2021

Júlia Alvarenga
6 min readMar 1, 2021

Mudanças climáticas em curso

Esse mês de fevereiro foi marcado por notícias de clima extremo no hemisfério norte.

Nos EUA, diversas cidades enfrentaram nevascas significativas, com destaque para Nova York, que, no início do mês chegou a suspender a campanha de vacinação contra Covid-19 devido às condições do tempo. Para a cidade, era esperada uma nevasca histórica. O recorde na cidade até então foi de quase 70 cm de neve em janeiro de 2016, que foi também um dos anos mais quentes já registrados (média mundial), empatado com 2020.

Também nos EUA, o estado do Texas, conhecido por suas ondas de calor, apresentou algumas de suas temperaturas mais baixas em mais de 30 anos, com áreas quebrando recordes de mais de um século e chegando a -18°C. Em Dallas, as temperaturas chegaram a -10°C, mais baixas que na cidade de Anchorage, no Alasca. As baixas temperaturas afetaram também a distribuição de energia. O presidente Joe Biden decretou emergência no estado para coordenar ajuda humanitária.

Alguns países na Europa, em especial a Alemanha, também passaram por ondas de frio intensas. Stefan Rahmstorf, chefe do departamento de pesquisa de Análise do Sistema da Terra do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático (PIK) explica que as mudanças do clima não significam que as temperaturas estarão mais quentes de forma similar em todo o planeta. Ao contrário, elas podem atuar favorecendo extremos tanto de frio quanto de calor em diferentes partes do mundo.

Na Índia, uma parte de uma geleira se desprendeu das montanhas do Himalaia e provocou o rompimento de uma barragem causando uma série de mortes que pode chegar até 150 pessoas dada a dificuldade das autoridades para realizar o resgate na região. O pesquisador Carlos Ritt, visitante do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade na Alemanha, relacionou o caso ao aquecimento global e destaca a necessidade de repensar os projetos de hidrelétricas em regiões sujeitas ao degelo.

“As pesquisas mostram que em função do aquecimento global, a velocidade de derretimento das geleiras na cadeia do Himalaia dobrou a partir do ano 2000 (…). Então, existe um derretimento mais acelerado em regiões muito montanhosas. Na região do Rio Ganges, onde rompeu-se esta barragem, há muitos projetos hidrelétricos. Na bacia deste rio onde houve o rompimento, em função da descida das geleiras, você tem pelo menos outros treze projetos.” (Carlos Ritt para a CNN Brasil)

Ainda, pela primeira vez, um navio de carga cruzou a Rota do Mar do Norte em pleno inverno ártico, graças ao aumento acelerado das temperaturas — o Ártico está se aquecendo duas vezes mais rápido do que o resto do mundo. A matéria destaca que “a viagem aconteceu depois de um ano de condições extraordinariamente quentes no Ártico, o que causou ondas de choque por todo o mundo, desde a tempestade de neve que cobriu a Espanha em janeiro, até a onda de ar frio que varreu a América do Norte nas últimas semanas”.

Percepção dos brasileiros com relação à crise do clima

A pesquisa “Mudanças climáticas na percepção dos brasileiros” (divulgada pelo Observatório do Clima) foi conduzida pelo Ibope e lançada pelo ITS (Instituto Tecnologia e Sociedade) e pela Universidade Yale (EUA). Os resultados indicaram que: 92% pensa que o aquecimento global já está acontecendo; 77% pensa que é causado principalmente pela ação humana; 72% acreditam que o aquecimento global pode prejudicar muito a eles e a suas famílias; 88% pensa que afetará bastante as gerações futuras; 77% acha importante proteger o meio ambiente, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico; entre muitas outras questões. No entanto, apesar de acreditarem em sua importância, apenas 25% dos entrevistados disseram saber muito sobre o tema.

O Reino Unido e os investimentos em combustíveis fósseis

Apesar das promessas de descarbonização e do primeiro ministro Boris Johnson afirmar compromisso climático, como mencionado nas notícias climáticas de janeiro/2021, instituições financeiras estatais do Reino Unido continuam a investir em combustíveis fósseis, inclusive no Brasil.

Novo estudo sugere que Covid-19 está ligada à crise do clima

A ciência vem alertando que as mudanças do clima ajudam a aumentar a probabilidade de vírus mortais surgirem e proliferarem. Mais recentemente, cientistas publicaram novo estudo que sugere que as mudanças climáticas podem estar relacionadas ao surgimento do novo coronavírus, SARS-CoV-2. Segundo a CBS News, cientistas indicam que ainda há cautela quanto à essa afirmação, uma vez que ainda está sendo investigada. Por outro lado, a exploração desenfreada da natureza, em especial o desmatamento, tem sido apontada como fator de aumento do risco de que patógenos contagiosos possam mais facilmente passar dos animais para os humanos. Além disso, há um amplo consenso de que as mudanças climáticas serão um impulsionador crescente de doenças infecciosas emergentes e pandemias.

“A mudança climática mudará a distribuição geográfica das espécies portadoras de patógenos de tal forma que elas passarão a se sobrepor a espécies com as quais não se sobrepunham antes. Essas novas interações fornecerão oportunidades perigosas para os vírus se espalharem e evoluírem.” (Robert Beyer — um dos autores do artigo — para a CBS)

Crise climática tem forçado a migração de tubarões para águas mais frias

Em 2020, o oceano atingiu um recorde de aquecimento, forçando tubarões brancos a se deslocarem para águas mais geladas. Há registros que, desde 2014, indivíduos mais jovens dessa espécie já tenham se deslocado 600 km para o norte da Califórnia (EUA) — uma mudança acelerada, segundo cientistas. Essa migração pode trazer desequilíbrio para os oceanos, com consequências imprevisíveis e prejudiciais, inclusive ameaça a espécies que se tornam presas comuns dos tubarões brancos e que antes não tinham muito contato com esse predador.

“Os tubarões brancos não são apenas mais uma espécie — eles são um predador de ponta e todos os olhos estão voltados para eles no oceano. A mudança de alcance das espécies é um fenômeno global. O que detectamos aqui é apenas um prenúncio de padrões muito mais amplos.” (Kyle Van Houtan, do Aquário da Baía de Monterey na Califórnia, para o jornal The Guardian).

Além disso, estudos indicam que o superaquecimento dos oceanos prejudica a circulação, especialmente no Oceano Atlântico, e que estamos próximos a 3 pontos de não retorno — sem possibilidade de reestabelecer o equilíbrio anterior — dos oceanos: aquecimento das águas, acidificação e desoxigenação. Além do aquecimento, a poluição, inclusive por fertilizantes e pesticidas, tem grande contribuição neste cenário.

Múltiplas crises no Acre: retrato da crise do clima?

O Acre enfrenta um momento especialmente delicado com a segunda onda da Covid-19, aumento de quase 600% dos casos de dengue em relação ao ano anterior, crise migratória e inundações. Embora a reportagem que traz essas informações não conecte as causas de cada uma dessas crises com a crise do clima a situação no Acre retrata em parte o que se espera como resultado do colapso climático: epidemias simultâneas, colapso do sistema de saúde, migrações e catástrofes ambientais. A crise do clima é um multiplicador de riscos, capaz de exacerbar conflitos, agravar eventos extremos e impactar o sistema de saúde. Já escrevi sobre isso antes e você pode ler sobre aqui, aqui e aqui.

Recomendações

  • A matéria São Paulo: Solução Para Enchentes e Mudanças Climáticas Só Acontecerá no Coletivo, do Modefica, traz uma perspectiva interessante sobre as dificuldades de lidar com as enchentes em São Paulo, focada na importância de pensar e atuar de forma descentralizada.
  • 2020 foi o ano com recorde de ocorrência de furacões e cientistas vem alertando que eles têm ficado cada vez mais fortes. Essa matéria do Observatório do Clima explica como as mudanças climáticas contribuem para a formação de furacões mais fortes, mais frequentes e com menos “freio”.

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Júlia Alvarenga

Engenheira ambiental com um pé na escrita e outro no urbanismo. Associada ao programa Local Pathways da SDSN Youth para repensar cidades com foco nos ODS.